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domingo, 28 de novembro de 2010

ESCRAVISMO E FEUDALISMO: A HISTÓRIA DO HOMEM DESTES PERÍODOS POR MEIO DE SUA PRODUÇÃO ECONÔMICA

Para compreender como a sociedade se organiza durante a sucessão dos meios de produção faz-se necessário acessar o conhecimento na fonte, que são os clássicos, obras e documentos escritos na ou durante as lutas que ocorreram e trazem informações balizadas e coerentes. É esse o caso das obras que fundamentam este pequeno trabalho: “Política”, de Aristóteles, é um tratado escrito por um dos maiores gênios da Antiguidade, um homem que foi discípulo de Platão e preceptor de Alexandre Magno; o americano Leo Huberman, autor de “A história da riqueza do homem”, marxista, é referência no campo da historiografia da economia política. São dois livros respeitados pela academia e que, quando constam no referencial teórico de um texto, emprestam-lhe credibilidade e cientificidade. Após a leitura de Huberman (1986) é muito esclarecedora a leitura de “900 textos e documentos de História”, de Gustavo de Freitas, que apresenta fragmentos de documentos medievais como leis, decretos e costumes organizados em categorias que fazem referência à estratificação da sociedade feudal.

Aristóteles (2004), ao longo do livro I, servindo-se do método analítico, parte da origem e desenvolvimento da sociedade escravista, analisa todas as categorias que a compõem: cidadão livre, trabalho, propriedade, riqueza, guerra, mulher, criança e escravo. Começa pela união entre homem (livre) e mulher, diferencia o escravo da mulher, afirmando que “natureza determina a utilidade de cada coisa, e cada instrumento é mais bem-feito quando determinado para atender a uma ação e não a muitas finalidades”.

Segundo o pensador (Aristóteles, 2004, p. 145), a família (propriedades e escravos) é uma associação estabelecida por natureza para atender as necessidades dos homens. Quando as famílias decidem se reunir está formada uma aldeia, que seria a primeira sociedade. Várias aldeias unidas em comunidade auto-suficiente formam a cidade-estado, grega, cuja principal função é assegurar o viver bem para os cidadãos livres; função essa assegurada pelo Estado e administrado pelos homens que, por natureza, são seres políticos e considerados os melhores animais.

Quanto ao trabalho, para os gregos antigos existe grande diferença entre os corpos do escravo e do senhor, tendo concebido uns poucos homens livres e muitos para a escravidão – justa e conveniente (Aristóteles, 2004).

O macedônico Aristóteles (2004, p. 153-154) foi um pensador da nobreza que dedicou tempo, esforço e talento na descrição da sociedade de sua época, onde a nobreza praticava a autoridade e seu conhecimento consistia em saber como usar os escravos, nomeando fiscais enquanto se dedicavam às funções do Estado e à filosofia (ócio).

Diferia entre administração e enriquecimento, sendo o primeiro termo entendido como prover e o segundo como usar. A guerra seria um modo de adquirir propriedade, assim como a subsistência. Um homem rico seria rico quando tivesse uma propriedade com bens úteis disponíveis e armazenados. Chegava a questionar sobre até onde poderia ir a riqueza de um homem, criticando o comércio e que o praticava com lucro, que fez surgir a moeda (Aristóteles, 2004, p. 155-156-157).

A Grécia Antiga e o modo de produção escravista foram suplantados e o mundo viu-se imerso em um novo modo de produção: o feudalismo, no qual a propriedade da terra detinha a primazia da riqueza e o trabalho (do servo) consistia basicamente em cultivar o grão e guardar o rebanho para cultivar a lã. O território europeu foi dividido em feudos, que não passavam de uma aldeia e uma grande extensão de terra que os servos cultivavam em benefício da classe dominante, formada pelos senhores feudais, sempre apoiados pela Igreja, que à época também se apresentava como grande proprietária de terras (Huberman, 1986, p. 2-4).

No feudalismo (ou Idade Média) ainda não haviam se estabelecido os Estados nacionais, como França ou Inglaterra. Nesse período os costumes, tinham força de leis (Huberman, 1986, p. 8). A posse da terra implicava em duros deveres a serem cumpridos.

Fonte de riqueza da época, a terra era cultivada faixas e um terço de sua extensão arável pertencia aos domínios do senhor; o restante ficava em poder dos servos, que trabalhavam penosamente, contemplando primeiramente a terra senhorial, pagando pesadas taxas para beneficiar sua colheita em moinhos e prensas (Huberman, 1986, p. 5). Os servos tinham sua condição e função justificada por meio de dogmas religiosos e costumes que se perpetuavam e não permitiam nenhuma mobilidade social e total submissão à classe senhorial do feudo:

Deus quis que, entre os homens, uns fossem senhores e os outros servos [...] e que os servos estejam obrigados a amar e venerar seu senhor... [...]

A função do servo: <
Huberman (1986, p. 7) esclarece que existiam graus de servidão, que dividiam os trabalhadores em servos de domínio, fronteiriços, aldeães e vilãos, organizados em uma hierarquia de decrescente esforço e obrigação servil.

No período feudal o mundo se resumia à Europa e seu entorno próximo – parte da África e Ásia. As necessidades dos homens não exigiam o uso de dinheiro e a circulação de mercadorias mais elaboradas. O feudo era auto-suficiente e o excedente eram trocados nos mercados semanais mantidos junto a mosteiros e castelos. Porém esse quadro se alterou com o advento das Cruzadas, que materializou os interesses da Igreja, dos nobres e cavaleiros endividados e de cidades como Veneza, Gênova e Pisa, que fervilhavam impulsionadas por uma classe ascendente que iria determinar a derrocada do feudalismo: os comerciantes (Huberman, 1986, p. 17-19).
Por meio de dados e fatos históricos, Huberman comprova que o comércio fez surgir grandes cidades em locais de grande fluxo de mercadores, como o local de encontro duas estradas importantes ou a embocadura de um rio (porto). O cenário medieval começa a modificar quando os comerciantes –burgueses – se uniram e a população da cidade passa a ansiar por liberdade (1986, p. 26-27). Com o passar do tempo, estas associações se tornam monopólios que passam a exercer grande influência junto às autoridades das cidades. Com o comércio em expansão surge a riqueza do dinheiro e a classe média, que se dedicava ativamente à compra e venda de mercadorias que se tornavam cada vez mais essenciais (1986, p. 34-35).

Os comerciantes, combatidos à época de Aristóteles, encontraram com o desenvolvimento do comércio e a ampliação do mundo conhecido as condições para o estabelecimento das bases de uma classe que alcançaria a hegemonia. A burguesia mercantil e depois industrial modificaria o cabedal de crenças, leis, costumes e relações sociais de tal maneira que a sociedade ingressaria em um novo modo de produção, o capitalismo, que passaria a determinar o pensamento dos indivíduos em função do pensar da classe hegemônica – burguesia –, tornando a luta de classes ainda mais desigual e avassaladora.


Referências:

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: ed. Nova Cultural, 2004.
FREITAS, Gustavo. 900 textos e documentos de História. Lisboa: Plátano Editora, s.d.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: ed. Guanabara Koogan, 1986.

BREVE HISTÓRICO DO CAPITALISMO: DA LIVRE CONCORRÊNCIA AO IMPERIALISMO DOS CARTÉIS

Superfluidade e anacronismo são apenas das características do sistema de produção material em vigência no atual período da história da humanidade: o capitalismo. Considerando-se todos os campos do conhecimento humano que investigam a gênese, desenvolvimento e derrocada dos modos de produção – sociologia, economia, história, educação, geografia - nenhum outro autor o fez como o alemão Karl Marx (1818-1883). Em escritos compostos com grande rigor científico, tornou explícita a realidade de sistemas baseados na exploração da classe menos favorecida, uma luta encarniçada entre as classes e a ascendência da produção material da sociedade sobre o pensar e agir dos seus indivíduos. Vladimir Ilitch Lênin (1870-1924), teórico da Revolução Russa de 1917, foi um grande estudioso do marxismo já em uma fase mais amadurecida e em escala mundial.

Para os marxistas, o homem é (con)formado de acordo com os ditames do modo de produção de mercadorias, serviços e necessidades, pela escola, cultura e sociedade civil e política, instituições superestruturais determinadas pela infra-estrutura econômica. As ideologias colocam-se a serviço da infra-estrutura, que intermediando o pensamento dos homens visando resigná-los às situações de exploração desmedida. Na verdade e em todos os tempos, este pensamento sempre correspondeu ao pensamento da classe dominante. No caso da atualidade, o pensamento da burguesia; a burguesia atual em muito difere daquela que, nos idos do século XIX, logrou êxito em estabelecer as bases da hegemonia que ora presenciamos, conforme podemos ler em Huberman (1986).

As lutas de classe sempre existiram em todos os modos de produção que a humanidade já experienciou: entre escravizados e aristocratas rurais na antiguidade (Grécia e Roma são exemplos); servos e senhores feudais na Idade Média; e mais atualmente, proletariado e capitalistas. Sobre a veracidade e gravidade de tal luta, lê-se no clássico “Manifesto do partido comunista” que:

A história de toda sociedade até os nossos dias é a história da luta de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre e oficial, em suma, opressores e oprimidos sempre estiveram em constante oposição; empenhados numa luta sem trégua, ora velada, ora aberta, luta que a cada etapa conduzia a uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou ao aniquilamento das duas classes em confronto. MARX, (2001, p. 23-24)


No intuito de explicar com propriedade a relação existente entre as classes do modo de produção do nosso tempo, recorreu-se a Huberman (1986, p. 157), renomado historiador americano de linha marxista, que esclarece que o capitalista é o dono dos meios de produção – fábricas, estradas, meios de transporte, armazenadores – e o único em condições de adquirir a força de trabalho de seu empregado.

Em sua época, Adam Smith (2001) criticou o preço, a inacessibilidade e a qualidade das mercadorias fornecidas à população. Segundo o economista político inglês, as corporações (monopólios pós-feudais) desencorajam a indústria e o aprimoramento das artes. Os comerciantes mantinham o preço alto porque sabem que ninguém pode vender mais barato. Como detém exclusividade, não se importam com a qualidade. Considerava os privilégios nocivos às corporações. Se houvesse uma única corporação em cada lugar os lucros seriam imensos. Porém existiam várias corporações que vendiam caro porque compravam caro, impedindo o acesso ao mercado daqueles que comerciam. Por certo, se o comércio fosse livre os preços cairiam.

Lênin (2002, p. 12-15) destaca como duas características do capitalismo: o enorme incremento da indústria e a rápida concentração da produção em empresas cada vez maiores, valendo-se da análise das indústrias alemãs e americanas no início do século (1882 e 1907). Cita inclusive que certo tipo, a combinação, ou seja, reunião numa só empresa de diferentes ramos da indústria, que garante à empresa uma taxa de lucro mais estável. Cada vez é maior o número de estabelecimentos que se agrupam em empresas gigantescas, apoiadas e dirigidas por meia dúzia de bancos. Critica o economista burguês consciente, que na Alemanha recorre ao protecionismo com altas taxas alfandegárias e na Inglaterra ao igualmente nocivo monopólio.
Nos princípios do século XX surge um novo capitalismo, tendo os cartéis como base da vida econômica. A história dos monopólios pode ser assim resumida: 1) décadas de 1860 e 1870 – grau superior da livre concorrência; 2) depois da crise de 1873 – longo período de desenvolvimento dos cartéis, fenômeno passageiro, ainda; 3) fins do século XIX e crise de 1900 a 1903 – cartéis (LENIN, 2002, p. 16). Então o capitalismo tornou-se imperialismo, estabelecendo entre si acordos, repartindo mercados, fixando a quantidade de produtos a ser fabricados, estabelecendo preços de venda e distribuindo o lucro. A produção é socializada, assim como as invenções e os aperfeiçoamentos técnicos (tecnologia, maquinaria, ciência), mas a apropriação continua privada, para um número reduzido de indivíduos. Monopolizam-se também a mão-de-obra qualificada, as vias e meios de comunicação.

Segundo Lênin (2002, p. 21), o desenvolvimento do capitalismo chegou a um ponto tal que, ainda que a produção mercantil continue reinando como antes, na realidade encontra-se já minada e os lucros principais vão parar nas mãos dos ‘gênios’ das maquinações financeiras. O imenso progresso da humanidade beneficia os especuladores. A indústria de transformação de matérias-primas alcança lucros elevados e adquire uma relação de dominação sobre as outras empresas, algo que não existia sob a livre concorrência. Nesta fase, os bancos exercem papel fundamental: são os intermediários nos pagamentos, convertendo capital inativo em ativo, que rende lucro. Com o aumento das transações bancárias, passam de intermediários a monopolistas onipotentes que dispõem de quase todo capital-dinheiro, bem como dos meios de produção e das fontes de matérias-primas.

Logo os grandes bancos absorvem diretamente os pequenos e os capitalistas dispersos acabam por constituir um capitalismo coletivo. Ao movimentar contas correntes de vários capitalistas o banco pode realizar operações gigantescas – um punhado de capitalistas subordina as operações comerciais de toda a sociedade capitalista – passa a conhecer com exatidão a situação de todos eles e depois passa a controlá-los – exercer influência através da ampliação ou redução do crédito – passa a decidir inteiramente seu destino (LENIN, 2002, p 24).

O velho capitalismo, o capitalismo da livre concorrência, tinha como seu regulador indispensável, a Bolsa. O novo capitalismo representa uma mistura da livre concorrência com o monopólio. Com o aumento da concentração dos bancos – restringe o círculo de instituições para buscar crédito, o que aumenta a dependência da grande indústria a um reduzido número de bancos, que se desenvolvem de acordo com os ditames dos monopólios. Desenvolve-se a união dos bancos com as maiores empresas industriais e comerciais, fusões realizadas mediante posse de ações, participação de diretores de bancos em conselhos de empresas e vice-versa. Os grandes monopólios vão-se desenvolvendo, se aperfeiçoando, estabelecendo uma divisão do trabalho entre os reis financeiros da sociedade capitalista atual (LENIN, 2001, p. 31-33).

Lênin (2002, p. 37-38) afirma que a democratização da posse das ações (democratização do capital) nada mais é que um meio de reforçar o poder da oligarquia financeira. O sistema de participação não serve só para aumentar em proporções gigantescas o poderio dos capitalistas, permitindo também operações financeiras sujas, pois as empresas-mãe não respondem pelas empresas-filhas, que possuem independência. Nas páginas 41 e 42 da mesma obra é possível entender que o capital financeiro, concentrado em muito poucas mãos e gozando de monopólio efetivo, obtém lucro enorme, que aumenta sem cessar com a constituição de sociedades, emissão de valores e empréstimos do Estado. Os lucros excepcionais proporcionados pela emissão de valores contribuem muito para o desenvolvimento e consolidação da oligarquia financeira (nenhuma operação bancária produz tanto lucro!). Se os lucros do capital financeiro são desmedidos durante o período de ascenso industrial, durante os períodos de depressão arruinaram-se as pequenas empresas, enquanto os grandes bancos participam na aquisição das mesmas a baixo preço, no seu lucrativo saneamento e reorganização.

É próprio do capitalismo separar a propriedade do capital da aplicação à produção. O imperialismo, ou domínio do capital financeiro, é o capitalismo no seu grau superior, em que essa separação adquire proporções imensas. O predomínio do capital financeiro implica o predomínio do rentier e da oligarquia financeira (LENIN, 2002, p. 45).

Para Lenin, a principal característica do velho capitalismo era a exportação de mercadorias. Já a versão moderna – o monopólio – tem como característica a exportação de capitais. O desenvolvimento desigual e a subalimentação das massas são as condições e premissas básicas, inevitáveis, deste modo de produção. O capital é exportado para os países mais atrasados, onde o lucro é elevado, os capitais escassos, o preço da terra e os salários baixos e as matérias- primas baratas. Ocorre a exportação de capitais porque em alguns países o capitalismo amadureceu excessivamente e o capital carece de campo para sua colocação lucrativa. A exportação de capitais repercute-se no desenvolvimento do capitalismo dentro dos países em que são investidos, acelerando-o extraordinariamente, podendo estagnar os países exportadores, mas representando um desenvolvimento do capitalismo no mundo inteiro (2002, p. 45-48).
Para Lênin (2002, p. 51), como no sentido moderno da globalização, o capital financeiro estende suas redes em todos os países do mundo, com apoio dos bancos instalados nas colônias (e sucursais). Os países exportadores de capitais dividiram o mundo entre si. O capital financeiro também conduziu a partilha direta do mundo. As associações monopolistas capitalistas partilham entre si, em primeiro lugar, o mercado interno, apoderando-se completamente da produção do país. Mercado interno e externo estão entrelaçados. O capitalismo criou um mercado mundial. Com o aumento da exportação de capital foram criados acordos internacionais e constituídos cartéis internacionais (supermonopólios). Não chega a ser perversidade, mas porque o grau de concentração os obriga a este caminho para obterem lucros. Repartem-no segundo a força (econômica) de cada um e continuaram a fazê-lo enquanto houver sobrevida ao sistema ou os homens e mulheres conscientizarem-se que o sistema capitalista desumaniza as relações e que o conhecimento científico pode (deve) agir como catalisador dessas relações des(humanas).


REFERÊNCIAS:

HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: ed. Guanabara Koogan, 1986.
LENIN, Vladimir Ilitch. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Centauro, 2002. Tradução Silvio Donizete Chagas.
MARX, K. ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro: Contraponto. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998.
SMITH, Adam. Sobre as corporações. Curitiba: Segesta, 2001.